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Caminhada

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  Olho para trás e vejo uma extensa planície entrecortada por montes e vales, aqui e além. Muitas foram as paisagens onde me detive para absorver sofregamente a primeira luz da manhã ou saborear, devagar, o último raio de sol. Com os pés descalços sobre o pó da estrada, de mão dada com a esperança, abri caminhos de amor que se perderam nos becos lamacentos. E porque a vida nos ensina a acolher a surpresa, a minha travessia do deserto presenteou-me com a possibilidade de me renascer ao dar à luz. Depois, foi tempo de contruir o caminho a três, na dureza dos dias, mas sempre com a esperança de um amanhã luminoso. Passo a passo, eis-me a iniciar a sexta década de vida, com toda a aprendizagem a que a vida me obrigou, mas com a vontade serena de prosseguir nos sonhos que me acalentam as noites mais frias e o doce afago das minhas pessoas por perto. Valeu a pena chegar aqui e vai valer a pena continuar a caminhar, aberta à certeza do desconhecido que a vida tem por me revelar.

Pausa

Basta uma pausa  no frenesim dos dias que já não acrescentam. Uma caminhada até ao rio, permanecer ali de sentidos bem abertos. A sinfonia desenfreada dos pássaros, o calor dos primeiros raios de sol  que atravessam as nuvens para acariciar o rosto. O choro da água a correr, apressada,  inebriada pela abundância das últimas chuvas. Depois, repousar o olhar no verde  que inunda as margens e o coração. E  esperar pelos segredos  que o vento tem para me contar ao ouvido. Basta parar um pouco,  observar, calmamente, a vida a fervilhar. E, por fim, agradecer a beleza das coisas simples,  sob o espanto do primeiro olhar.

O Lago

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  Deslizam suavemente na superfície líquida e transparente do pequeno ribeiro. Mergulham ambos, ritmadamente. Agitam a cauda, abrindo um leque de água e purpurinas, ensaiando uma dança ancestral. Afundam o bico em cada pena, por baixo das asas, num ritual tão sagrado quanto banal. Lado a lado. Ele, de cores vibrantes entre o verde-esmeralda e o azul-safira, exibindo no pescoço um colar branco. Ela, igualmente elegante, salpicada de tons acastanhados. Embora não seja possível calar o ruído da via rápida aqui ao lado, abstraio-me e, por momentos, dou por mim no lugar mágico da minha infância. Tinha 6 ou 7 anos. Durante as férias, acordava cedo, levava uma sandes e um banquinho para junto do lago e sentava-me a observar, maravilhada. À volta do lago cresciam lilases que, na primavera, perfumavam o ar. Fecho os olhos e sinto ainda o aroma delicado e inconfundível. Os arbustos eram altos e cresciam em direção ao centro do lago, numa abóboda que filtrava os raios de luz, tornando-o s...

Rio de palavras

As palavras correm apressadas nas suas sílabas, através das margens do poema.   Uma atrás da outra, no fluxo acidentado das entrelinhas.   Mantêm-se à tona, apesar das represas onde se precipitam, antes de chegarem ao mar da memória.   Levam, nas suas conchas fechadas, o peso das pedras e as feridas abertas, mas também a doçura das cerejas aquecidas pelo sol.   Depois, desaguam, líquidas, na planície da escrita, à procura do sentido da vida, na voz dos poetas.

Silêncio

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  No início, as palavras, As nossas e as dos poetas. Conchas abertas, promessas embaladas  no vaivém das ondas. Páginas em branco, desfolhadas na aridez intermitente das despedidas. Cartas cruzadas na travessia  recorrente das ausências. Barcos sem rumo, na imobilidade do cais. E no final, o silêncio.

Porque escrevemos?

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Escrever nunca foi, para mim, uma linha contínua. Uma linha muitas vezes interrompida por longos tempos de abstinência. Uma linha que, por vezes, renascia com grande intensidade e, quase sempre, coincidia com momentos menos felizes e de alguma solidão. Em todos os workshops frequentados e os livros que li sobre a temática, aprendi que se deve escrever todos os dia: a importância da CONSISTÊNCIA. E que, para aprimorar a escrita se deve ler muito, e de estilos diferentes. Em quase todos, a ideia que passa é de que a escrita, a boa, a que pode ser publicada, é um dom de algumas pessoas afortunadas, inacessível ao comum dos mortais. Contudo, mais recentemente, a leitura do livro «Como escrever» de Miguel Esteves Cardoso (MEC) veio abalar toda esta construção! Para o MEC todos podemos e devemos escrever, como se não houvesse amanhã. Ao referir-se às várias fases da escrita, começa por questionar de onde vem a ideia (a ocorrência), realçando a importância do VAZIO e do TÉDIO. É preciso o con...